Centimetro
Eu gosto da linha reta cinza no seu joelho
quando você coloca a calça de moletom leve. É ali que você deposita o
pedaço esquerdo do seu queixo pra descansar o pensamento num gesto mais
antigo. Eu gosto como as sobrancelhas tentam, apesar do momento garoto,
voltar à posição ereta de quem já sabe alguma coisa. Então fica a briga
do peito sobre a perna e da sobrancelha sob o mundo. No meio de tudo
isso você me olha reto, direto, verde, largo. Eu chamo de azul e você
briga comigo.Eu gosto das possibilidades da sua testa. Quando
seu cabelo sujou um pouco, no fim do dia, e fica um topete meio duro
pra cima. E dai você é um elevador de pensamentos que cutucam como
lanças de brinquedo, a voz meio abafada querendo controlar alguma
sinceridade muito alta. Sua loucura chega em frases muito curtas e com a
desculpa de ser uma graça. Logo depois é como o calor que cessa no fim
de tarde. O banho derruba a poeira do seu dia e agora a franja fica mais
próxima dos seus olhos. Você é bonito demais para alguém que pensa
tanto e é quase injusto pro mundo existir alguém com tanto das duas
coisas que só se tem muito de uma só. Eu gosto de olhar sua mão enorme e pensar que
você poderia me tocar mesmo que eu tivesse num quarto só meu e bem longe
de um quarto só seu. O tamanho da sua mão viola meu espaço com
respeito.Eu gosto das quatro manchas vermelhas que eu
deixo no seu pescoço só porque encostei o lábio. Eu gosto da sua falta
de mira pra sujar a minha barriga. Eu gosto da linha infinita que vai de
uma ponta de ombro até a outra ponta. Eu gosto da linha infinita que
vai do seu calcanhar até o osso da bacia. Seu rascunho é o desenho de um
estilista gay desejando uma mulher.Eu gosto quando você lá das alturas me abraça e
parece pequeno. Eu pergunto o que é isso que deixa seu rosto tão
interessante e você explica que é mistura de italiano com gente do mato.
Não tem nada de alemão? Você ri. Você sempre ri quando me aproximo
demais de algo que talvez nem exista. E logo depois fala algo bem íntimo
que nem era a hora. Eu gosto que você se esconde na esquina entre meu
olho e meu nariz e o seu mistério não me dá aquele medo errado.Eu gosto que todas as suas roupas são azuis
mesmo não sendo. Eu gosto do seu armário de madeira que não é madeira e
que combina com a escrivaninha e com a cabeceira da cama. Eu gosto do
seu travesseiro com um desenhinho. Eu gosto da palma do seu pé e sei que
essa frase está errada. Eu gosto que o lábio inferior desaparece um
pouco quando você diz uma ironia ou quando acha que é gostoso. Eu gosto
que você explode sem perder um ponto sereno e intocável nos olhos, como
se nada estivesse acontecendo. Eu gosto que quando nada está acontecendo
seus olhos não perdem um brilho de dor. Eu gosto que você não sabe se
sabe cuidar mas queria ajudar a menina passando mal no avião.Tem dez minutos que acordei e já gostei de você
um milhão de vezes hoje. Eu gosto que você é um começo daquele tipo de
flor que dispara em mim o regador assassino de um milhão de gotas
d’água. Mas eu gosto mais ainda de um arco-íris pixelado que me
cumprimenta discretamente da janela, como se existisse a esperança de
uma planta esperta que não fica propositalmente distraída, de boca
aberta, pra ser cúmplice do meu medo.
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